Entre a sátira nacional e as polémicas de Hollywood: a autenticidade no ecrã

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O universo audiovisual, seja ele focado na produção nacional portuguesa ou nas grandes franquias de Hollywood, atravessa momentos de reflexão sobre a originalidade e a indústria que o sustenta. Em Portugal, esta introspeção chega através do humor refinado de Marco Martins e Bruno Nogueira, que apresentam “Sara”, uma sátira mordaz ao meio televisivo e cinematográfico. A série, pautada por um elenco de luxo onde figuram nomes como Nuno Lopes, Albano Jerónimo e Rita Blanco, coloca Beatriz Batarda no papel principal, encarnando uma atriz de 42 anos que enfrenta uma crise existencial profunda. Conhecida no meio artístico pela sua capacidade de “choro fácil” e pela densidade trágica que empresta às suas personagens, Sara vê-se subitamente incapaz de verter uma única lágrima, o que a leva a abandonar a rodagem de um filme e a questionar todo o seu percurso no cinema de autor e no teatro clássico.

A fuga para o mediático e a busca de sentido

Sozinha e a lidar com a doença do pai, a protagonista decide cortar amarras com a intelectualidade que definiu a sua carreira para mergulhar no universo, até então estranho, das telenovelas e da exposição nas redes sociais. Nesta tentativa de reinvenção e aproximação ao grande público, Sara recorre a um “motivador pessoal”, interpretado por Bruno Nogueira, uma espécie de life coach de emoções que a guiará por sessões fotográficas para revistas cor-de-rosa e pela promiscuidade da fama rápida. Ao longo de oito episódios, a narrativa dissecada pelos autores expõe as dúvidas e frustrações de uma mulher cansada de pensar demasiado, oferecendo ao espectador um olhar cómico, mas acutilante, sobre os bastidores da ficção nacional.

Tarantino e a questão da originalidade

Enquanto a ficção portuguesa debate a identidade artística, do outro lado do Atlântico, Quentin Tarantino reacende discussões antigas sobre a integridade criativa nas grandes produções. Numa participação recente no podcast de Bret Easton Ellis, o aclamado cineasta não poupou nas críticas à saga “The Hunger Games”, classificando-a sem rodeios como uma cópia de “Battle Royale”, o filme de culto japonês estreado no ano 2000. Para o realizador de “Pulp Fiction”, é incompreensível que o autor da obra japonesa não tenha avançado judicialmente contra Suzanne Collins, a criadora do universo de Panem, sugerindo que esta deve a sua fortuna a uma apropriação indevida da premissa nipónica.

Crítica literária na mira do realizador

A indignação de Tarantino estende-se aos críticos literários, a quem acusa de ignorância cinematográfica. Segundo o realizador, os elogios tecidos à originalidade dos livros de Collins apenas existiram porque esses críticos nunca se deram ao trabalho de ver “Battle Royale”. A premissa de ambas as obras é, inegavelmente, semelhante: num futuro distópico — seja no Japão ou na nação fictícia de Panem —, um governo totalitário obriga um grupo de adolescentes a lutar até à morte numa competição onde apenas um pode sobreviver.

Apesar das semelhanças apontadas e da revolta de Tarantino, que viu os críticos de cinema reagirem com surpresa à adaptação cinematográfica apenas por ser uma versão “suavizada” do original japonês, Suzanne Collins mantém a sua defesa. A autora reiterou, numa entrevista de 2011 ao The New York Times, que desconhecia a existência de “Battle Royale” até à entrega do seu manuscrito, tendo sido aconselhada pelo seu editor a manter-se afastada da obra japonesa para não contaminar o seu processo criativo. Entre a crise ficcional de uma atriz em Lisboa e as acusações de plágio em Los Angeles, o debate sobre o que é genuíno na arte permanece transversal.